
Não se encara a creche como um serviço essencial“As creches foram reivindicadas pelos movimentos de mulheres porque elas precisavam trabalhar fora e deixar os filhos em algum lugar. Com o decorrer dessa luta, mudou a perspectiva de que creche era um direito da mulher trabalhadora para a de um direito da criança à educação. Isto foi um grande ganho, mas, em determinado momento, se desfez o elo de que era também um benefício para as famílias. E não se pode perder de vista que a creche é uma política que auxilia a articulação entre o mundo do trabalho e o da família.
As crianças precisam ser atendidas e é fundamental que haja uma forma alternativa para os períodos de férias: esquema de plantão, revezamento de funcionários etc. Caso contrário, a mãe e o pai que trabalham têm de recorrer a parentes, amigos, ou despender um dinheiro extra – que muitas vezes eles não têm - para deixar com terceiros.
Seria excelente se os brasileiros pudessem trabalhar menos, desfrutar de férias com os filhos e ter mais tempo para lazer. Mas essa não é a realidade do país. Ao contrário, o governo está incentivando as pessoas a trabalhar e a produzir mais, e, principalmente, as mulheres a terem mais autonomia. O parecer do CNE prejudica, sobretudo, as mulheres – apesar de a responsabilidade dos filhos ser do casal, a sobrecarga ainda cai mais na mulher. Supõe-se sempre que as mulheres trabalham por opção, para ajudar no orçamento doméstico. O trabalho da mulher como auxílio ao orçamento principal, que seria o do homem, não é mais verdadeiro. Hoje, 35% das famílias são chefiadas por mulheres. Como tradicionalmente a mulher ganha menos do que o homem, a renda dessa família, portanto, é mais baixa. Ao não possibilitar que essa mulher trabalhe livremente, o Estado está contribuindo para que essa renda diminua ainda mais. Não se encara a creche como um serviço essencial por ser um serviço ainda relacionado às necessidades da mulher, segmento não valorizado pelos governantes.”

As crianças pequenas também são responsabilidade do Estado “As creches no país são um direito dos trabalhadores e trabalhadoras estipulado pela Constituição Federal. Como a sociedade não coloca as crianças no topo de suas decisões, o que acaba acontecendo são situações improvisadas. As famílias ficam encontrando soluções paliativas, provisórias, como se fosse uma questão exclusiva da família e não do Estado.
A criança tem todos os direitos de encontrar uma situação adequada para sua vida. Quando se diz: “família, vire-se”, está se dizendo que a criança pequena é uma responsabilidade só privada. Faltam creches, praças, centros culturais para nossas crianças. Não fariam isso com a população adulta. Gostaria de ver o que aconteceria se fechassem, por exemplo, os restaurantes universitários de uma hora para outra.”
Bruno Dias Napolitano, defensor público do Estado de São Paulo
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Parecer afronta o ECA
“Na Constituição Federal, a creche tem dupla finalidade: garantir ao trabalhador que seu filho fique em segurança enquanto ele exerce sua função e garantir à criança, nessa primeira etapa da vida, o desenvolvimento de seu conhecimento. Não se pode descartar nenhuma delas. O parecer do CNE não só ignorou o caráter assistencial, mas foi uma afronta à decisão judicial do Tribunal de Justiça de São Paulo e ao Estatuto da Criança e do Adolescente. A criança não pode ser submetida a nenhuma situação de risco da sua integridade física. Quando o governo não cria condições para que os pais possam obter rendimento e reverter bens para os familiares, coloca a criança em risco. Se os pais têm de trabalhar, em contrapartida, os filhos têm de ficar em um lugar seguro, cuidados por profissionais da área. Além disso, o trabalhador é livre e tem o direito de se organizar e tirar férias quando ele quiser e não quando o Estado estipular.”
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